20/07/2014

O problema da galinha ou a galinha do problema

Durante os cinco anos em que morei em Cacoal tive uma manicure que ia toda segunda-feira, religiosamente, as oito da matina na minha casa.  Mudei de casa três vezes, mas ela nunca deixou de ir onde quer que eu morasse. A última casa em que morei tinha um quintal ao fundo, com algumas árvores frutíferas: lembro do pé de Cupuaçu e do imenso pé de Jaca - eu morria de medo dele. Sempre pensei que seria uma morte terrivelmente estúpida se eu fosse atingida por uma Jaca na cabeça. E elas caíam aos montes... certa vez de tão forte que estava o cheiro de Jaca na casa eu resolvi abrir uma vala e fazer o "sepultamento" delas. Por sorte era também período de chuvas em Rondônia e ficava mais fácil de cavar - mesmo assim, arrumei um monte de bolhas nas mãos e o olhar desconfiado de uma viatura da PM que passava em frente a casa (convenhamos que muitas moscas sobrevoando os destroços de jaca e eu abrindo um buraco com uma cara assustada numa tarde cinzenta eram meio suspeitos mesmo - mas a cara assustada era só o medo de que mais jacas caíssem e pudessem me atingir como um míssil). Por medo das jacas e por lembrar das bolhas nas mãos, abandonei o quintal a própria sorte e quase deixei a Amazônia renascer com vigor naqueles poucos metros quadrados.
Em uma certa segunda, eu estava lá fazendo minhas unhas quando um senhor bateu palmas. Pedi que ele entrasse, pois estava com os pés de molho e não poderia ir até o portão. Ele estava sério, talvez até meio nervoso e foi logo dizendo "Eu quero saber o que é que você vai fazer com a sua galinha". Eu olhei para ele assombrada "E eu tenho uma galinha?". "Tem sim". Eu não podia acreditar! O mistério do universo estava desfeito: a galinha veio primeiro! Simplesmente brotou! Eu nunca tinha tido um pintinho e, de repente, tinha uma galinha! "Como assim, senhor? Eu não tenho nenhuma galinha!". "Tem sim, ela era minha, mas passou para o seu lado da cerca e mora em seu quintal. Então agora ela é sua e eu quero saber o que é que você vai fazer com ela porque ela fica ciscando de um lado para o outro e atazana o meu galo. O galo fica cantando e acorda o meu filho que tá me enchendo o saco que não consegue dormir. Então eu quero saber o que é que você vai fazer com a sua galinha!".
Pra ver como são as coisas, eu que nem galinha tinha agora era a responsável pela encheção de saco do filho do meu vizinho que não conseguia dormir porque a galinha se exibia para o galo que, enciumado, não parava de cantar. Quanta complexidade! "Calma aí, senhor. Eu nem sabia que eu tinha uma galinha, o senhor quer ela de volta?". "De jeito nenhum! Ela é sua galinha e você tem que resolver!". "Mas meu senhor, eu não sei o que fazer com uma galinha, eu sou professora, sabe? Eu nem sei o que se pode fazer com uma galinha...". "Ah, isso é problema seu! Mas espero que resolva logo porque não aguento mais meu filho me incomodando.". "Mas o que eu faço?". "Mata ela." "Matar? Eu não sei matar. Eu não quero matar! Por que matar?". "Pra comer." "Mas senhor, pode matar e comer se o senhor quiser, eu dou ela pro senhor.". "Não, não". Ele disse e foi saindo e fechando o portão antes que eu pudesse objetar mais e foi incisivo "espero que resolva logo esse problema!".
Eu já estava pensando na cena ridícula que seria eu perseguindo inutilmente uma galinha no meu quintal meio selva, cheio de jacas espalhadas ao chão para o deleite e satisfação de meu vizinho que ficaria assistindo a patética cena de camarote, na sua cadeira na área dos fundos. Como fui me meter naquela história sem cabimento? A minha manicure que só observava tudo enquanto tirava minhas cutículas parece ter lido meus pensamentos e falou "se você quiser eu pego a galinha pra você". "Mas o que vou fazer com ela?". "Uai, se você não quiser eu pego ela pra mim". "Combinado!". A tarde ela voltou com um saco preto e rapidinho fez o que era pra ser feito e resolveu o problema entre mim e o vizinho. Quanto a galinha... depois de ter mudado de dono três vezes em um dia acho que o destino dela não foi o mais feliz. 
Moral da história: 1 - se você achar um terreno fértil, cheio de jaca pra bicar, não faça alarde. Sempre terá um invejoso disposto a acabar com sua alegria. 2 - Se você não tiver nenhum problema sem solução, sempre aparecerá alguém pra lhe passar uma batata quente. 3 - Se você acha que atrai encrenca, espere até saber o que acontece comigo... rsrsrs


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