31/07/2014

"Eu não mando mais em nada / Sei que é alto mas eu vou pular" (Agridoce)

"Mãe, você picou alho?", perguntou minha filha mais nova assim que começou a mexer a panela após meu pedido. "Sim", eu disse. "Mas picou alho de verdade?". "Sim". "Mas tem alho picado pronto, no pote. É mais fácil". "É, mas não é alho de verdade, não tem cheiro de alho, não tem gosto de alho, é um arremedo de alho". "Arremedo? Que é isso?". "É imitação". "Hum, mas o alho do pote não foi feito com alho?". "Sim, foi. Mas para não estragar foram acrescentados alguns conservantes e outras coisas que a gente nem sabe direito o que são, então até é alho, mas não tem o mesmo sabor do natural". "Hum, entendi. Mãe, posso ir?". "Pode".
Enquanto eu terminava de temperar a lentilha que havia cozido para o almoço, continuei a pensar na conversa sobre o alho e em quantas coisas a gente aceita a imitação, mesmo sabendo disso. Aceitamos ser enganados e fingimos que gostamos. Café solúvel é um exemplo. Duvido alguém gostar de verdade de café solúvel. A não ser que essa pessoa jamais tenha tomado café antes, o que é pouco provável. Mas a gente compra café solúvel, "pras emergências", pra não coar só uma xícara de café, pra quando está apressado. E pior do que comprar, a gente toma o café solúvel. E toma até mesmo em dias de domingo, em que se teria todo o tempo do mundo pra coar um delicioso café - de preferência com o coador de pano, daquele jeito que nossas avós faziam (e nossas mães, antes da invenção da cafeteira elétrica). 
Se tem uma coisa que o alho e o café tem em comum é o cheiro. Tem coisa mais gostosa do que estar/chegar em casa e sentir um cheirinho de alho no ar, de comidinha feita com amor? Ou do cafezinho feito na hora, com um aroma que envolve e atiça? A satisfação está na mobilização dos sentidos, quantos mais... melhor. E um ingrediente que não pode faltar quando se trata de comida/bebida é o cheiro. O cheiro que faz falta nas suas versões arremedo. Você coloca o dito alho em pasta ou em pedaços a fritar e ele exala um cheiro cítrico, porque ficou embebido na solução para não estragar. Você coloca o café solúvel e ele não tem cheiro de nada. É bom pra comer com isopor junto. Ótima combinação. 
Trocamos os sucos naturais pelos de caixinha (que não têm nada de naturais ou saudáveis) ou de pacotinho; os temperos pelos caldos de carne, galinha, picanha, camarão, legumes... Compramos mistura para bolo em pacotinhos e fazemos bolos de cenoura, maçã, limão, laranja - sem usar uma fruta ou legume sequer! E o que eu acho mais bizarro ao ler as embalagens da maioria dos alimentos: pode conter traços de nozes, amêndoas, amendoim.
Hahaha, não basta não ter praticamente nada do que deveria ter, ainda tem que ter traços de uma coisa que nem deveria mesmo estar lá? E como assim? Uma amiga uma vez disse: como que os traços vão parar lá? alguém esbarra e... oops, foi mal... melhor advertir na embalagem que pode ter traços de amendoim, nozes, amêndoas. (Tá bom, eu sei que tem a ver com as esteiras que transportam os produtos nas empresas, mas não deixa de ser bizarro.)
E de repente a gente está tão acostumado a ser enrolado, a comprar gato por lebre, a comprar uma torta que deveria ser Floresta Negra, mas você encontra coco no meio e, enfim, resolve deixar pra lá porque cereja e coco são quase a mesma coisa - ou não são? 
Será que ainda saberemos distinguir os sabores naturais dos arremedos de sabores? Outro dia comprei caquis e, quando os comi, eles não tinham semente. Sabe o que isso significa? Que foram modificados. Geneticamente modificados. Tudo feito sob a aparência bonita de que, enfim, vamos produzir em quantidade e qualidade para reduzir a fome no mundo. Conversa fiada, pois a fome é problema político, não de falta de alimentos. E nós compramos essa balela toda porque é mais fácil comer melancia, caqui ou uva sem sementes - mesmo que a facilidade venha junto do aumento no uso de glifosato. 
Em nome da facilidade, da praticidade, da rapidez e em função da correria do dia a dia, das jornadas exaustivas de trabalho, do atropelo da vida acabamos por aceitar essas mudanças. E aí chega um ponto em que temos o arremedo tomando conta de tudo. 
De repente você nem ama aquela pessoa com que você está, mas ela está ali ao lado, é fácil. Então você se acovarda e não procura o verdadeiro sabor - será que ainda sabemos qual é?. Talvez você nem goste de seu trabalho, mas é o que você tem... pra que procurar por outro? É mais fácil continuar. Algumas vezes os limites do seu bairro, cidade, estado ou país são sufocantes, mas e daí? É mais fácil do que cruzar as fronteiras e descobrir que pode ir além delas que se fizeram nos seus pensamentos, nas suas crenças, nas suas verdades prontas e engarrafadas. Fáceis, mas sem graça, sem cheiro e sem sabor. 

Sei lá. Às vezes acho que parecemos hamster rodando, rodando, rodando. Como viemos parar aqui?






29/07/2014

"Não sou atriz, modelo, dançarina / Meu buraco é mais em cima" (Rita Lee)

A polêmica da estética não é nova, mas volta e meia um novo tsunami aparece. Tenho visto muitas matérias em revistas, sites, blogs e páginas do face que se ocupam de abordar isso. Algumas horas antes de ver a crônica do Estadão "Plus size é muito mais fun", li outra matéria sobre o calendário da Pirelli que, pela primeira vez na história, abrirá espaço para modelos plus size. Li também em uma página aplausos às modelos não-anoréxicas. E li os comentários de muita gente dizendo que não se combate anorexia com obesidade (interpretação é realmente um problema!) e muitos (homens) dizendo "bom, tudo bem que não exista um único padrão, mas existe o meu padrão" (santa ingenuidade, Batman!). Também soube que o noivo da Preta Gil precisou se justificar a uma internauta que (pasmem!) quis intimidar o moço dizendo esperar que ele não seja mais um em busca de fama (felizmente ele foi inteligente e soube responder à altura!). 

É claro que existe um ponto muito importante a ser considerado quando se coloca em discussão o peso de uma pessoa: a saúde - mas esse é o único ponto realmente importante. É tão estúpido imaginar que uma pessoa não possa ser feliz com 10 kg a mais, quanto dizer que aquela que tem 10 kg a menos não tem inteligência. Estereótipos nunca são bons, por isso são estereótipos. 

Espero que o Plus Size ou a Gordelícia não se tornem os novos estereótipos do momento e que as pessoas possam ser olhadas por algo que vá um pouco além da aparência física e dos padrões estéticos (irreais) que nos são impostos.


24/07/2014

A mulher dos sonhos

Uma coisa que acho curiosa é como nossas ideias, pensamentos ou sentimentos parecem ser captados pelas pessoas e circunstâncias que nos circundam e acabam retornando a nós como se fosse um bumerangue. Estou falando daquela antiga sensação de que a letra da música que está tocando na rádio se encaixa perfeitamente na sua história de vida, mas você está no trânsito e nem pode anotar um trecho para pesquisar depois quem foi o ser que lhe plagiou. Ou aquele filme de Hollywood que, no fundo, só pode ter sido inspirado em algum rastro que você deixou em algum lugar, tamanha a coincidência. Ou ainda aquela identificação física e psicológica incrivelmente inexplicável com a personagem chorona/ louca /apaixonada /má /ingênua /mesquinha /traiçoeira /boazinha /justiceira da novela global. 
Desde que eu inventei de falar de sonhos, nunca mais eles me deixaram. As frases surgem de todos os cantos, com todas as cores, assinadas por todo tipo de gente. Quase suspeito que os sonhos nasceram a partir do momento em que eu falei deles... 
Foi numa tarde quente de fevereiro, muito quente, quente demais. Eu estava há um mês morando em Rio Preto e tanta coisa havia acontecido naquele começo de ano que não fazia dele a melhor experiência que já tive. Estava conversando com uma amiga por um messenger, ambas enfrentando uma situação parecida. Reclamamos juntas, juntas xingamos aos deuses, resmungamos juntas, juntas quase choramos. Enfim, juntas resolvemos sair para matar o leão do dia, separadas apenas por uns três mil quilômetros. 
No final da tarde, estávamos ambas novamente conectadas para falar do enfrentamento da situação e eu comecei falando "Ah, eu tava aqui sem saber como resolver. Aí pensei, pensei e pensei. Saí. Fui lá para fazer o que poderia fazer, já que a expectativa tinha sido frustrada. Em 24 horas tive que mudar todos os planos, refazer todos os cálculos, reprojetar tudo... aí cheguei a uma conclusão." Ela, que estava ansiosa para também resolver a sua própria situação, perguntou: "qual?". "Foda-se. Simples assim. Mandei tudo para o espaço, entrei numa padaria. Tinha uns sonhos lindos no balcão. Comprei dois. Comi um já. O outro guardei para depois." 
Rimos muito daquilo, eu tenho uma mania de mudar o rumo da conversa sem dar seta. A pessoa jura que vai ouvir algo muito sério e inteligente, mas eu resolvo fazer graça, sei lá. Já ouvi mais de uma vez as pessoas falarem que tenho humor sério. Não sei.
A partir daquele dia que resolvi comprar dois sonhos e deixar os problemas de lado, os sonhos não me deixaram mais na mão. Como disse, eles vêm de todos os lados. Virei uma colecionadora de sonhos. E minha amiga passou a me chamar de "Mulher dos sonhos". E também passou a encontrar sonhos por todo canto, em todo lugar, em cada esquina.E passamos a trocar e compartilhar os sonhos que encontramos no caminho.
Hoje, logo que acessei o facebook encontrei esse poema na página "Paradoxos"

Logo depois foi a vez de Carpinejar dizer: "Objetivos são para preguiçosos. O sonhador é aquele que segue andando mesmo quando já chegou". Na página "O escritor de sonhos" (que passei a seguir depois daquele dia de fevereiro, obviamente): "Os pássaros ganharam as asas. Ele ganhou os seus sonhos". E, mesmo quando os sonhos não estão explícitos, eu os vejo. Ontem compartilhei com a minha amiga essa tirinha, acompanhada da frase "ou sonhos..."

O comentário dela? "Sonhos! Com certeza que seriam sonhos!". Qual música ouvi ontem? Engenheiros "Somos quem podemos ser. Sonhos que podemos ter." Dois dias atrás, a última postagem que vi antes de dormir foi de Leminski: "A vocês eu deixo o sono. O sonho, não. Esse, eu mesmo carrego". Um dia antes, um post de autoria desconhecida "A matéria prima do século XXI são os sonhos". No final se semana passado fui assistir peças teatrais. Onde? Na Fábrica de Sonhos. 
E eu poderia seguir enumerando todos os sonhos que passaram por mim nesses 5 meses, mas assim que voltei a minha página do face, uma atualização do Roupa Nova me fez mudar de ideia: ♫ Só te peço o brilho de um luar. Eu só quero um sonho pra sonhar. Um lugar pra mim ♫. - Continuarei em busca de novos sonhos para minha coleção... Avante, sonhadores!

21/07/2014

E daí que ela é formada em Letras?

Sendo formada em Letras (quase 3 vezes, se contar a graduação, mestrado e o doutorado) fica meio difícil não me manifestar sobre a "notícia" dos últimos dias: "Formada em Letras, garota de programa narra em livro experiência com alta sociedade"; "Formada em Letras, Lola Benvenutti vai além da web e lança livro para falar de sua vida como garota de programa", "Formada em Letras, garota de programa lança livro sobre sua experiência sexual com a alta sociedade"; "'Me pedem até autógrafo', diz garota de programa formada em letras".
De todas as "notícias" que li a única coisa que identifiquei como relativa a área de Letras foram menções às tatuagens que Lola fez em seu corpo.

"Nas costas, a jovem tem um verso de Manuel Bandeira tatuado: "...dizer insistentemente que fazia sol lá fora". No pulso esquerdo, uma frase João Guimarães Rosa: "Digo: o real não está na saída nem na chegada. Ele se dispõe para a gente é no meio da travessia". Leia mais em: http://zip.net/bkn5JK

No mais, ela é uma garota de programa comum, nenhum motivo para grandes estardalhaços. Aliás, a história dela é quase a mesma de Bruna Surfistinha, com a diferença de que Lola ainda vive o "auge" dos 15 minutos de fama. Lola não gosta de ser comparada à Bruna.

“Eu nunca quis ser a Bruna. As pessoas são diferentes, não sou melhor ou pior que ela. Me irrita essa comparação”. Leia mais em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2013/05/me-pedem-ate-autografo-diz-garota-de-programa-formada-em-letras.html

Como falava ontem com uma amiga, também formada em letras, cada um faz o que quer com seu corpo, mas acho que a partir do momento em que optou por ser garota de programa, Lola perdeu um pouco do que supostamente chama de liberdade. Acho que se ela vivesse sua sexualidade apenas porque gosta, sem definir valores, aí talvez estivesse sendo livre. Penso que o fato de cobrar pelo ato e colocá-lo numa relação de consumo e escala de valores a torna sim um objeto. Não consigo ver a liberdade de que ela fala, acho uma posição muito contraditória para se discutir esse tema.

“Meus celulares tocam o dia inteiro, recebo 400 ligações por dia. Gente do Brasil inteiro me dando parabéns e várias demonstrações de carinho. As pessoas me reconhecem na rua e me param para pedir autógrafo. Ganhei até livros e já tenho mais de 5 mil curtidas no Facebook. Minha caixa de e-mail está lotada, já estou até pensando em contratar uma assessora”, disse Lola. Leia mais em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2013/05/me-pedem-ate-autografo-diz-garota-de-programa-formada-em-letras.html

Muito bem lembrado pela minha amiga é o fato de que a escala de valores nesse caso é tão evidente que uma das coisas que é sempre ressaltada quando se fala dela é a sua formação superior - como se as outras prostitutas sem formação superior valessem menos (e, claro, a formação dela agrega valor ao que ela faz).

O número de clientes dobrou, passando de uma média de cinco para 10 por dia. Lola admite que aproveitou para reajustar o valor do programa em 40%. “Tive que subir um pouco o valor pela demanda, mas prefiro fidelizar o cliente. Leia mais em: http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2013/05/me-pedem-ate-autografo-diz-garota-de-programa-formada-em-letras.html

Minha amiga disse também que concorda que a liberdade sexual não é isso e que infelizmente, a mulher que é livre sexualmente ainda é tomada socialmente como puta, vagabunda (com a diferença que não cobra pelo sexo que faz)... E estamos bem longe, beeem distantes de tal liberdade... Completou seu raciocínio pontuando que "se para ser livre sexualmente toda mulher precisar cobrar pelo sexo que fará, jamais haverá liberdade nisso... Agora, acho válido ela dizer que é prostituta, porque assim quis ser e não ficar justificando a sua escolha dizendo que foi maltratada em casa ou coisa assim... Embora, há casos e casos de mulheres que viram na prostituição uma forma de ter acesso "a uma melhor condição de vida".
Penso que o grande ponto de discussão não é o fato de ela ser prostituta, isso é assunto dela. Acho apenas discutível o ponto de vista sob o qual Lola pretende falar de liberdade sexual, pois acredito que o posicionamento dela só contribuiu às avessas na discussão desse tema.
Resumindo, no meu ponto de vista, Lola apenas reforça os já tão grandes preconceitos e tabus relativos à sexualidade feminina. Não vi nada de novo ou interessante sob o sol....

20/07/2014

O problema da galinha ou a galinha do problema

Durante os cinco anos em que morei em Cacoal tive uma manicure que ia toda segunda-feira, religiosamente, as oito da matina na minha casa.  Mudei de casa três vezes, mas ela nunca deixou de ir onde quer que eu morasse. A última casa em que morei tinha um quintal ao fundo, com algumas árvores frutíferas: lembro do pé de Cupuaçu e do imenso pé de Jaca - eu morria de medo dele. Sempre pensei que seria uma morte terrivelmente estúpida se eu fosse atingida por uma Jaca na cabeça. E elas caíam aos montes... certa vez de tão forte que estava o cheiro de Jaca na casa eu resolvi abrir uma vala e fazer o "sepultamento" delas. Por sorte era também período de chuvas em Rondônia e ficava mais fácil de cavar - mesmo assim, arrumei um monte de bolhas nas mãos e o olhar desconfiado de uma viatura da PM que passava em frente a casa (convenhamos que muitas moscas sobrevoando os destroços de jaca e eu abrindo um buraco com uma cara assustada numa tarde cinzenta eram meio suspeitos mesmo - mas a cara assustada era só o medo de que mais jacas caíssem e pudessem me atingir como um míssil). Por medo das jacas e por lembrar das bolhas nas mãos, abandonei o quintal a própria sorte e quase deixei a Amazônia renascer com vigor naqueles poucos metros quadrados.
Em uma certa segunda, eu estava lá fazendo minhas unhas quando um senhor bateu palmas. Pedi que ele entrasse, pois estava com os pés de molho e não poderia ir até o portão. Ele estava sério, talvez até meio nervoso e foi logo dizendo "Eu quero saber o que é que você vai fazer com a sua galinha". Eu olhei para ele assombrada "E eu tenho uma galinha?". "Tem sim". Eu não podia acreditar! O mistério do universo estava desfeito: a galinha veio primeiro! Simplesmente brotou! Eu nunca tinha tido um pintinho e, de repente, tinha uma galinha! "Como assim, senhor? Eu não tenho nenhuma galinha!". "Tem sim, ela era minha, mas passou para o seu lado da cerca e mora em seu quintal. Então agora ela é sua e eu quero saber o que é que você vai fazer com ela porque ela fica ciscando de um lado para o outro e atazana o meu galo. O galo fica cantando e acorda o meu filho que tá me enchendo o saco que não consegue dormir. Então eu quero saber o que é que você vai fazer com a sua galinha!".
Pra ver como são as coisas, eu que nem galinha tinha agora era a responsável pela encheção de saco do filho do meu vizinho que não conseguia dormir porque a galinha se exibia para o galo que, enciumado, não parava de cantar. Quanta complexidade! "Calma aí, senhor. Eu nem sabia que eu tinha uma galinha, o senhor quer ela de volta?". "De jeito nenhum! Ela é sua galinha e você tem que resolver!". "Mas meu senhor, eu não sei o que fazer com uma galinha, eu sou professora, sabe? Eu nem sei o que se pode fazer com uma galinha...". "Ah, isso é problema seu! Mas espero que resolva logo porque não aguento mais meu filho me incomodando.". "Mas o que eu faço?". "Mata ela." "Matar? Eu não sei matar. Eu não quero matar! Por que matar?". "Pra comer." "Mas senhor, pode matar e comer se o senhor quiser, eu dou ela pro senhor.". "Não, não". Ele disse e foi saindo e fechando o portão antes que eu pudesse objetar mais e foi incisivo "espero que resolva logo esse problema!".
Eu já estava pensando na cena ridícula que seria eu perseguindo inutilmente uma galinha no meu quintal meio selva, cheio de jacas espalhadas ao chão para o deleite e satisfação de meu vizinho que ficaria assistindo a patética cena de camarote, na sua cadeira na área dos fundos. Como fui me meter naquela história sem cabimento? A minha manicure que só observava tudo enquanto tirava minhas cutículas parece ter lido meus pensamentos e falou "se você quiser eu pego a galinha pra você". "Mas o que vou fazer com ela?". "Uai, se você não quiser eu pego ela pra mim". "Combinado!". A tarde ela voltou com um saco preto e rapidinho fez o que era pra ser feito e resolveu o problema entre mim e o vizinho. Quanto a galinha... depois de ter mudado de dono três vezes em um dia acho que o destino dela não foi o mais feliz. 
Moral da história: 1 - se você achar um terreno fértil, cheio de jaca pra bicar, não faça alarde. Sempre terá um invejoso disposto a acabar com sua alegria. 2 - Se você não tiver nenhum problema sem solução, sempre aparecerá alguém pra lhe passar uma batata quente. 3 - Se você acha que atrai encrenca, espere até saber o que acontece comigo... rsrsrs


18/07/2014

"Melhor do que ontem"


É... mentira tem perna curta demais!

Disse minha amiga, contando uns causos sobre como foi parar de novo em Ijuí, "Eu tive que ir averbar o divórcio em Porto Alegre, porque você sabe, né? Eu casei lá!". "Uhum", eu concordei. "Você sabe, né? Eu casei lá!". "Uhum, eu lembro". "É porque você bem sabe, né?" e riu muito. Até que me dei conta do que ela estava exatamente falando. 
Eu juro que tentei, mas nunca presenciei o casório. Estávamos ainda na graduação e, como todo aluno de graduação que se preza, não tínhamos "um puto pila" no bolso (como dizem lá no sul). Ela tinha ido morar em Porto Alegre ou arredores, não tenho bem certeza, e acabou arrumando um marido por lá. Eu e outra colega resolvemos que esse era um evento que não poderíamos perder e juntamos as moedas pra comprar a passagem (nos dias de hoje custa em torno de 100 reais, uma fortuna pra estudante de graduação que se preza) e acertei com um cunhado pra voltar de carona com ele, pois ele estaria em uma cidade da serra gaúcha e seria mais barato ir até lá do que a Ijuí. Então tínhamos a passagem de ida e uns trocos pra comprar o trecho necessário para encontrar meu cunhado, e só.
Era a primeira vez que eu estava indo a Porto Alegre by myself. A vez anterior, que foi a primeira mesmo, havia sido uma aventura à parte - meu irmão era do DCE e eram tempos de Fora Collor, ele acabou me convencendo a ir no ônibus que estaria saindo de madrugada para a manifestação na Usina do Gasômetro (eu sem um puto pila, pra variar, mas ele disse que me arrumaria uns trocos). Eu entrei no ônibus e encontrei de cara a galera do teatro e da união secundarista estudantil e fiquei por lá mesmo, imaginei que meu irmão estivesse mais ao fundo com o pessoal do DCE ou dos sindicatos - só descobri que ele nem embarcou quando já estávamos chegando em POA e paramos pra almoçar (almoçar? sem um puto pila?). O pessoal do teatro, que era tão pobre quanto eu, mas tão gente boa e com ideologia socialista não exitou em rachar o quase nada que tinham - compramos umas torradas (que no resto do Brasil é misto quente) e estávamos prontos para pintar a cara e manifestar. Pra encurtar a história, depois de uma tarde no gasômetro, resolvemos andar um pouco antes de entrar no ônibus e voltar pra casa, mas andamos demais e acabamos nos perdendo entre centenas de ônibus. As três sem um puto pila, desesperadas por não saber como voltar pra casa. Uma viatura parou e os brigadianos (ou PMs) perguntaram se precisávamos de algo, uma de nós chorava, a outra ria e a outra gaguejava... que belo trio de patetas na capital! Quase escoltadas pelos brigadianos encontramos nosso ônibus e pudemos voltar pra casa.
Fosse outra pessoa, com todo esse histórico, nunca mais se aventuraria. Mas eu não perdi a coragem, afinal uma amiga casando é um evento que deve ser prestigiado (era a minha primeira amiga a fazer isso, e naquele tempo quase acreditávamos em contos de fadas). Embarcamos e fomos, a única coisa que sabíamos é que teríamos que desembarcar na praça do avião em Canoas e de lá a gente pegaria um táxi até o apartamento da minha amiga. Depois de umas 7 horas de viagem, avistamos a praça e bem felizes desembarcamos, era final de tarde. 
Cadê o endereço? Não era possível! O bilhetinho com endereço havia sumido. Corremos tentar fazer contato com Ijuí, pra ver se o famigerado tinha caído ao chão na hora em que saí de casa. O problema é que não existiam celulares, e telefone fixo era coisa pra rico (o que não era meu caso) ou pra quem tinha tido sorte de conseguir uma linha. Achamos um orelhão, liguei pra minha irmã mais velha que morava no extremo oposto da casa de minha mãe, para que ela fosse até lá ver se achava o bilhete. Em caso positivo ela ligaria da casa do vizinho da mãe para me passar o dito endereço. Tudo muito simples. E estava entardecendo rápido. Depois de uma hora eu consegui o endereço e pegamos o táxi e fomos. Conseguimos? É claro que não! Onde já se viu chegar no apartamento da noiva minutos antes do casamento dela e esperar encontrá-la em casa? 
Estávamos desoladas com nossas mochilas ao ombro. Nossa amiga iria casar, mas a gente nem sabia a igreja, nem onde seria a festa e nem tínhamos pra onde ir. Aí apareceu nossa salvação, ou quase (mais ou menos como uma aparição do Chapolin Colorado - não contavam com minha astúcia?): um vizinho com um fusca amarelo, compadecido com nossa tragédia, prontificou-se a ajudar. Rodamos todas as igrejas de Canoas até que encontramos aquela que procurávamos: estavam retirando o tapete da entrada e juntando algumas flores da decoração. Eu vi o livro assinado, sim, ela tinha se casado e nós perdemos a ocasião. 
Quase choramos de frustração, mas Chapolin não desistiu: vamos procurar o lugar da festa! Ninguém na igreja fazia ideia onde poderia ser, mas procuramos mesmo assim. Procuramos até não saber mais pra onde ir e já que não havia mais nada a ser feito, pedimos a gentileza de que Chapolin nos deixasse na estação do Trensurb para que fossemos até POA. 
Fim da história? Não! Só o começo de outra. Era noite, não tínhamos dinheiro e eu só poderia encontrar meu cunhado no outro dia, no começo da tarde. Já estávamos com fome e frio. Contamos nossos milréis. Pensamos "bom, dá pra gente pegar um táxi e ir a um hotel baratinho". Eu estava com um cartão da minha mãe que tinha uns trocos, mas só poderia sacar no outro dia (se existia caixa 24 horas, eu desconhecia). Então pegamos o táxi em frente à rodoviária e pedimos pra nos levar em algum hotel barato, após ele tentar nos deixar em todos os "puteiros" da cidade (que eram os mais baratos) resolvemos voltar pra rodoviária. Ou seja, saímos de táxi e gastamos os milréis e voltamos pra rodoviária. 
Cachorro correndo atrás do rabo? Não, duas tontas saídas do interior sem dinheiro, juízo ou noção. Bom, por fim atravessamos a rua da rodoviária, minha amiga apresentou uma carteira de jornalista (ela trabalhava numa rádio) e ganhamos um desconto. Fomos para o quarto, ligamos o ar condicionado no quente, pois estávamos congelando e contamos o restinho do dinheiro (acho que em valores contemporâneos deveria dar uns 10 ou 15 reais). Fomos de novo à rodoviária, pesquisamos os preços pra comprar um sanduíche (antes que morrêssemos de inanição). Voltamos pro hotel e dormimos como pedra. No outro dia, o cabelo mais oleoso do que tudo, fomos ao nosso shopping (a rodoviária) comprar um shampoo, a essa altura deveríamos ter algo como uns 4 reais. Minha amiga esqueceu que os melhores (e mais caros) perfumes estão nos menores frascos e pediu ao vendedor da farmácia um shampoo pequeno, pois só precisaria para um dia. Claro que não podíamos pagar pelo shampoo que ele queria vender. Então ela viu um vidro enorme, azul - Opus Shampoo. Perguntou o preço. Dava. E ainda sobrou troco. Levamos o Opus Shampoo e morremos de rir da cara do vendedor que não entendeu nada, ou fez que não entendeu. 
Enfim, pegamos o ônibus, fomos pra serra, encontramos meu cunhado e minha irmã. Combinamos que nunca, jamais, nem sob tortura contaríamos o que aconteceu de verdade. No trajeto para casa as perguntas: "E o casamento?" "Tava bonito". "E a noiva?" "Tava de branco.". "E a festa?" "Tava legal". Em casa, por uma semana, repetimos as mesmas respostas às mesmas perguntas. Tudo ia muito bem no reino da mentira até que o Chapolin contou pra nossa amiga casadoira que tentou nos ajudar, que percorremos a cidade toda e blá, blá, blá. Ela foi visitar a mãe dela e aproveitou para se "desculpar" por ter ido casar e não ter esperado as duas lesas atrasadas, que achou que nós não iríamos mais. Então ela entrou e na frente da minha mãe, irmãos, cachorro e tudo mais que foi aparecendo e falou indignada: "mas báh, guria! Eu soube que tu foi no meu casamento e não conseguiu achar!".

17/07/2014

"Quando fui, quando éramos / intactos projetos imaturos / fomos modernos" (Cazuza)

Lembro-me de uma certa aula de Metodologia Científica em que eu tentava convencer os alunos de que hoje em dia nem é tão complicado seguir as normas da ABNT, pois o computador facilita tudo e que difícil era no meu tempo de graduação. Contei que usávamos régua para medir as margens e fazíamos pequenas marcas a lápis para serem apagadas depois, pois só poderíamos datilografar dentro daquele espaço. E que datilografar era um outro desafio enorme, quem tinha curso de datilografia tinha quase emprego certo naquele tempo. Eu mesma aprendi o básico ASDFG com a mão esquerda, mas quase quebrava o meu dedinho toda vez que tentava apertar a tecla do A, aí apareceu um emprego em uma creche e achei mais emocionante trocar fraldas e limpar babas o dia inteiro do que encarar o restante do curso. O problema é que eu trabalhava de dia nessa creche, a noite ia à faculdade e nos finais de semana tinha que sentar em frente à famigerada máquina de escrever e dedografar os trabalhos da faculdade. O mais legal é que depois de quase esfolar as pontas dos dedos pra conseguir concluir uma página era bem provável ter que recomeçar tudo porque havia uma forte tendência ao erro a partir da 25ª linha. Sim, havia uma fita que usávamos pra "corrigir" o erro, mas a probabilidade de o erro equivaler a uma linha inteira repetida ou a falta de uma linha inteira era de uns 95%. Depois inventaram o corretivo líquido, mas também não era a coisa mais bonita de se apresentar a um professor. Citação longa? eu evitava. Hoje em dia é muito simples, você abre a caixa parágrafo e o trabalho resume-se a selecionar recuo, espaçamento entre parágrafos e linhas, mas naquele tempo éramos quase arquitetos desenhando uma planta (nem quero imaginar o quanto a vida desses profissionais era dura naquele tempo). Contei também que quando começamos a usar computador a tela era verde, a impressora era matricial (ainda tenho pesadelos com aquele barulho) e não existia o Word. Hoje em dia quase ninguém sabe o que é DOS, mas quem começou com os primeiros computadores precisava saber. Digitar um texto era um imenso desafio. Eu tinha uma lista de comandos ao lado do computador e era normal "perder" o trabalho, recomeçar umas três vezes, xingar a tecnologia e até sentir saudades da máquina de escrever. E lá estava eu viajando em meio a poeira de minhas memórias quando vi um alun@ perguntando baixinho ao coleg@ ao lado: - Quantos anos ela tem, afinal? Acreditem, menin@s do século XXI, já vivemos sem toda a parafernália atual, e até que nos virávamos bem no face a face...

Como vivíamos sem?

Tecnologia

Modernidade

16/07/2014

"O acaso vai me proteger enquanto eu andar..." (Titãs)



Tudo começou com um post que nem era direcionado a mim, mas que por ser injuntivo me colocou contra a parede. Sentia que precisava dar uma resposta como se a pergunta tivesse sido direcionada exclusivamente a mim (é um pouco da pretensão que as redes sociais criam, como se o mundo virtual girasse em torno de nós). Eu poderia ter ignorado a pergunta e seguido a leitura de posts de flores e gatinhos que me deixariam distraída pelo tempo que eu precisava gastar sem enlouquecer esperando conexão de voo. Eu também poderia ter nunca saído de casa para estudar a noite e fazer faculdade e estaria vivendo "feliz" minha ignorância de tantas questões às quais não tenho (e talvez nunca venha a ter) respostas, mas eu saí e me senti o máximo lá do alto dos meus 17 anos circulando nos corredores da universidade (lembro de toda a maturidade que eu tinha: escrevi com canetas coloridas na minha agenda: "agora sou universitária!". Eu era tão madura que tentei um vestibular para jornalismo, mas comecei fazendo ciências, pensava em mudar pra psicologia e depois de um ano fui convencida de que meu lugar era em Letras - não sem antes minha mãe ameaçar me "deserdar" porque eu queria fazer teatro). Mas eu saí de casa e, na marra, fui amadurecendo (um gerúndio que ainda me acompanha...) e um pouco na academia e outro tanto na vida fui me colocando diante dos múltiplos e variados conhecimentos e desconhecimentos. 
Então 21 anos depois estava eu sentada com todo aquele ânimo que só quem já se encheu o saco de viajar de avião entende, "passeando" sem compromisso pelo feed do facebook quando surgiu o post "Para reflexão: A coincidência existe? E o acaso?". Confesso que não dei importância e segui adiante vendo gatinhos fofos e paisagens bonitas com frases de gente legal, mas era tarde demais... meu cérebro já havia captado a pergunta que exigia uma resposta. Queria uma do tipo simples - como são as que damos às perguntas como "com ou sem colarinho?", "açúcar ou adoçante?", "chocolate ou chocolate?". Aí pirei. Primeiro porque não achei uma resposta com uma ou duas palavras, aí tentei sair pela tangente dizendo que "eu quase acredito na lei da atração". A pessoa que postou poderia apenas ter dando um like e todos seriam felizes para sempre até a próxima pergunta que me tirasse o sossego, mas ele não fez isso. Preferiu o confronto: "Então, mas eu acredito que o acaso não tem relação com essa lei..." (putz grila! Voltei à estaca zero!). E lá fui eu com filosofia de boteco sem o boteco (e sem a cerveja, of course) "De fato não tem..., mas ao que muitos chamam acaso eu digo que é a lei da atração funcionando...". Sabe cachorro correndo atrás do rabo? Minha resposta foi tipo isso, mas meu interlocutor angustiado não se deu por satisfeito "Oh sim, verdade, mas essa lei restringe essa problemática... rs". Bom, já deu pra ver que o cachorro poderia infinitamente correr atrás de seu rabo e chegar a lugar algum... então tentei ser específica (ah! que falta faz um boteco pra filosofar essas coisas!) "Mas para dar meu pitaco específico então eu não acredito no acaso e nem acredito em destino. Acredito que existem muitos possíveis futuros concorrendo a todo tempo, e as pequenas ações que executamos vão definindo o futuro provável. Alie-se a isso a lei da atração... E eis o tal do vulgo acaso e destino..." Fim da história? Que nada! Meu interlocutor (que acho que também não estava num bar) completou: "E quando a lei da atração não é aplicável ao caso, resta apenas a junção de fatores que determinaram a situação em concreto, surpreendente (positiva ou negativamente)." A-há! Parecia que estávamos chegando a um consenso... mas eu acho que sou do tipo que quer ter a palavra final (alguns chamam isso de teimosia, eu acho que é apenas fazer valer a minha opinião...) e disse: "Sim, mas creio que são fatores que de alguma forma fazem parte de seu espectro, não são totalmente externos ou alheios. Bem ou mal você fez algo que desencadeou os eventos..." (onde está a cerveja mesmo? e o boteco?).
Meu estimado interlocutor, tão angustiado quanto eu, foi certeiro: "E é aí que entra o ponto "X". Juro que não fiz de propósito. Eu estava lá, num hábito adquirido recentemente. Jamais passou pela minha cabeça que tal fato aconteceria. Pensei em não ir para um determinado lugar, estava cansado, mas fui. E pronto! O impossível aconteceu..." Impossível? Ah não... mais uma porta aberta pra filosofia de boteco (como bem disse o Chorão "Mas pra quem tem pensamento forte, O impossível é só questão de opinião. E disso os loucos sabem, só os loucos sabem"). "Mas aconteceu porque era possível e você estava empenhado nisso, ainda que inconscientemente." "Não, eu não estava. Não tinha como eu supor que tal fato aconteceria. Meu propósito era outro". Lembra do cachorro e do rabo? Ah... filosofia de boteco tem esse nome porque precisa do boteco... Enfim fui chamada para o embarque e precisava ainda fechar o assunto (como se fosse possível), aí tasquei um chavão "há mais mistérios entre o céu e a terra do que pressupõe nossa vã filosofia" (poxa! Você já foi mais original, Geane!). 
O voo foi super rápido, chegamos bem antes do previsto e eu estava bem animada com essa positividade toda dos eventos. Até que tudo deu errado. Ou não. Não sei. Foi acaso? Obra do destino? Conspiração do universo? Não sei. Só sei que por uma conjunção de fatores fui a última a conseguir um táxi. O aeroporto estava quase vazio e eu lá esperando, quase xingando os deuses do Olimpo... Mas chegou um homem pedindo algo e eu catei uns snacks e uma caixinha de suco que acabaram sobrando na viagem e dei a ele que retribuiu com um "Deus te abençoe muito, muito, muito". Na hora a raiva passou e logo apareceu um táxi. 
Já em casa, tentando pegar no sono e fazendo aquela retrospectiva do dia me veio a pergunta filosófica de boteco à cabeça. Teria sido acaso? Ou aquela pessoa teria tanta fome e desejou tanto a comida que o " universo" conspirou para que alguém que tivesse um alimento à mão estivesse naquele lugar, àquela hora? Talvez eu tenha esperado mais do que todos daquele voo para chegar em casa por algum motivo a mais que o acaso, ou não. Contudo, é mais poética a ideia de uma sinfonia/sintonia do universo... Por isso gosto tanto dela... Mas ainda acho que preciso do boteco para dar uma resposta mais "elaborada", afinal não é tão fácil assim responder essa questão com os dois pés no chão, não é mesmo?

"Sem final feliz ou infeliz...atores sem papel" (E. H.)



Estava almoçando em um restaurante frequentado por vários estudantes, secundaristas ou universitários, quando ouvi parte da conversa da mesa ao lado da minha (muito ao lado, sabe?). Achei a coisa mais linda de ouvir... era um casalzinho de 16 ou 17 anos, sentados um em frente ao outro. Não pareciam ser namorados nem nada do tipo, mas ele contava a ela sobre suas habilidades na cozinha. A primeira coisa que ouvi foi "só não sei cozinhar feijão porque tenho medo da panela, mas arroz eu aprendi a fazer no ano passado". Logo depois ele disse muito satisfeito: "Ah, chá eu sei fazer!" E acrescentou "e café eu gosto de fazer bem forte, gosto dele forte e sem açúcar". Fiquei pensando comigo como é bonito de ver alguém que tem em orgulho em se construir e se revelar, virei fã desse garoto por vários motivos: não teve medo de dizer que tem medo; não acha que cozinha é lugar de mulher ou que lugar de mulher é na cozinha; não tem medo de ser menos homem porque sabe cozinhar (ou tenta); não busca uma mulher para ser sua empregada, mas provavelmente para ser sua parceira - desconfio que será do tipo que divide as tarefas sem neura. A garota com ele se parecia muito comigo aos meus 16: cabelos lisos abaixo do ombro, franja, óculos, e um tantão de timidez nos ombros. Fiquei satisfeita em ver a similitude e a diferença. Talvez as coisas estejam mesmo mudando. A passos lentos, mas mudando...

10/07/2014

Sobre relacionamentos e filmes - "A vida imita o vídeo"


Relacionamentos para mim tem uma relação muito estreita com música, filmes, livros ou coisas que gosto. Isso obviamente tem um lado bom porque de alguma forma deixa evidente que tive afinidades e bons momentos com essas pessoas, mas tem também aquele lado super chato que é a música ou o filme ficar com a cara de alguém de quem já não quero mais lembrar as feições. 
Uma das primeiras marcas de que me lembro tem relação com as músicas do Kid Abelha, cravadas (é com "c" mesmo) em 1994 - só agora, após 20 anos começo a conseguir escutá-las, desde que não seja um álbum inteiro em sequência. Outras lembranças são ativadas pelos filmes do Steven Seagal - ainda bem que nem gostava muito mesmo dele, porque até hoje não consigo ver nenhum. E 007 também teve um espaço nos idos anos 1990. Algumas músicas que amava ficaram assombradas e perderam um pouco do sabor que tinham - delas "Vento Negro" está no top 10. Tive também a fase clipes musicais dos anos 80, mas esses eu assisto sem muita referência porque nunca foram específicos o bastante. As séries de TV ocupam um espaço bem grande e fica difícil assistir sem associar às antigas parcerias de expectativa - estão fora de questão para serem assistidas: Cold Case, Heroes, The Walking Dead, Fringe, House, Supernatural, Prison Break. (Embora com a notícia de que Heroes retornará em 2015 estou muito tentada a reconsiderar a decisão de manter o passado no lugar dele, afinal ter assistido centenas de episódios sem ver o desfecho é coisa pra herói mesmo, e ainda sou demasiadamente humana). 
Nada disso tem a ver com paixão reprimida ou recalque ou dor de cotovelo. É que acho um pouco difícil mesmo lidar com pessoas que não fazem mais parte de minha vida. Acho muito estranho ser tão íntima de alguém, compartilhar coisas tão mínimas e pequenas - mas significativas, e depois se tornar tão estranha a essa pessoa a ponto de nem saber qual o melhor cumprimento a dirigir a ela (oi, Bom dia, ou como vai?). 
O manual do politicamente correto em termos de rompimento é que as pessoas continuem amigas, vivendo o felizes para sempre separadas. Mas mesmo que não haja barraco ou chuva de difamações, o fato é que as cordialidades são muito mais a nível de aparência - algo do tipo "sua existência não me afeta". Não digo que, com o tempo a raiva, mágoa, decepção ou seja lá o que for que tenha restado após o rompimento não desapareçam, mas não sei se acredito em amizade entre ex-alguma coisa. A gente até pode conversar, pode rir de aventuras vividas juntos, lembrar de alguma desventura e beirar a nova velha briga, mas eu não compararia isso a um diálogo de reencontro de amigos do passado. 
Ainda bem que a indústria cultural anda sempre a todo vapor, então não preciso me preocupar muito. Sempre haverá novos discos, diferentes livros, outras séries, muitos novos filmes e remakes de coisas que já foram de um jeito e ganham retoques e ajustes. Eu gosto do diferente, mesmo que seja sobre o antigo e me encanto por quem sabe apontar para algo de uma maneira que eu ainda não tinha percebido. E ainda bem que existem muitas pessoas interessantes em meio a chatice do mesmo, do repetível, do igual. E ainda bem que os dias passam e que nós amadurecemos com eles, pois seria insuportável continuar adorando "Jeannie é um Gênio","Magnum","Punky, a levada da Breca", "Barrados no Baile" ou "Smalville" até hoje. Só "Malhação" insiste em continuar no ar depois de tanto tempo, e ninguém acha que isso faz sentido. Até o "Mocotó" emagreceu e a "Malhação" não desiste - nada pior do que isso: um passado travestido de presente que não tem mais futuro, mas insiste em permanecer. Que venha sempre o futuro, com tudo de improvável que ele possa trazer. Como diz a velha e gasta frase: "quem vive de passado é museu" - e olhe lá...