18/07/2014

É... mentira tem perna curta demais!

Disse minha amiga, contando uns causos sobre como foi parar de novo em Ijuí, "Eu tive que ir averbar o divórcio em Porto Alegre, porque você sabe, né? Eu casei lá!". "Uhum", eu concordei. "Você sabe, né? Eu casei lá!". "Uhum, eu lembro". "É porque você bem sabe, né?" e riu muito. Até que me dei conta do que ela estava exatamente falando. 
Eu juro que tentei, mas nunca presenciei o casório. Estávamos ainda na graduação e, como todo aluno de graduação que se preza, não tínhamos "um puto pila" no bolso (como dizem lá no sul). Ela tinha ido morar em Porto Alegre ou arredores, não tenho bem certeza, e acabou arrumando um marido por lá. Eu e outra colega resolvemos que esse era um evento que não poderíamos perder e juntamos as moedas pra comprar a passagem (nos dias de hoje custa em torno de 100 reais, uma fortuna pra estudante de graduação que se preza) e acertei com um cunhado pra voltar de carona com ele, pois ele estaria em uma cidade da serra gaúcha e seria mais barato ir até lá do que a Ijuí. Então tínhamos a passagem de ida e uns trocos pra comprar o trecho necessário para encontrar meu cunhado, e só.
Era a primeira vez que eu estava indo a Porto Alegre by myself. A vez anterior, que foi a primeira mesmo, havia sido uma aventura à parte - meu irmão era do DCE e eram tempos de Fora Collor, ele acabou me convencendo a ir no ônibus que estaria saindo de madrugada para a manifestação na Usina do Gasômetro (eu sem um puto pila, pra variar, mas ele disse que me arrumaria uns trocos). Eu entrei no ônibus e encontrei de cara a galera do teatro e da união secundarista estudantil e fiquei por lá mesmo, imaginei que meu irmão estivesse mais ao fundo com o pessoal do DCE ou dos sindicatos - só descobri que ele nem embarcou quando já estávamos chegando em POA e paramos pra almoçar (almoçar? sem um puto pila?). O pessoal do teatro, que era tão pobre quanto eu, mas tão gente boa e com ideologia socialista não exitou em rachar o quase nada que tinham - compramos umas torradas (que no resto do Brasil é misto quente) e estávamos prontos para pintar a cara e manifestar. Pra encurtar a história, depois de uma tarde no gasômetro, resolvemos andar um pouco antes de entrar no ônibus e voltar pra casa, mas andamos demais e acabamos nos perdendo entre centenas de ônibus. As três sem um puto pila, desesperadas por não saber como voltar pra casa. Uma viatura parou e os brigadianos (ou PMs) perguntaram se precisávamos de algo, uma de nós chorava, a outra ria e a outra gaguejava... que belo trio de patetas na capital! Quase escoltadas pelos brigadianos encontramos nosso ônibus e pudemos voltar pra casa.
Fosse outra pessoa, com todo esse histórico, nunca mais se aventuraria. Mas eu não perdi a coragem, afinal uma amiga casando é um evento que deve ser prestigiado (era a minha primeira amiga a fazer isso, e naquele tempo quase acreditávamos em contos de fadas). Embarcamos e fomos, a única coisa que sabíamos é que teríamos que desembarcar na praça do avião em Canoas e de lá a gente pegaria um táxi até o apartamento da minha amiga. Depois de umas 7 horas de viagem, avistamos a praça e bem felizes desembarcamos, era final de tarde. 
Cadê o endereço? Não era possível! O bilhetinho com endereço havia sumido. Corremos tentar fazer contato com Ijuí, pra ver se o famigerado tinha caído ao chão na hora em que saí de casa. O problema é que não existiam celulares, e telefone fixo era coisa pra rico (o que não era meu caso) ou pra quem tinha tido sorte de conseguir uma linha. Achamos um orelhão, liguei pra minha irmã mais velha que morava no extremo oposto da casa de minha mãe, para que ela fosse até lá ver se achava o bilhete. Em caso positivo ela ligaria da casa do vizinho da mãe para me passar o dito endereço. Tudo muito simples. E estava entardecendo rápido. Depois de uma hora eu consegui o endereço e pegamos o táxi e fomos. Conseguimos? É claro que não! Onde já se viu chegar no apartamento da noiva minutos antes do casamento dela e esperar encontrá-la em casa? 
Estávamos desoladas com nossas mochilas ao ombro. Nossa amiga iria casar, mas a gente nem sabia a igreja, nem onde seria a festa e nem tínhamos pra onde ir. Aí apareceu nossa salvação, ou quase (mais ou menos como uma aparição do Chapolin Colorado - não contavam com minha astúcia?): um vizinho com um fusca amarelo, compadecido com nossa tragédia, prontificou-se a ajudar. Rodamos todas as igrejas de Canoas até que encontramos aquela que procurávamos: estavam retirando o tapete da entrada e juntando algumas flores da decoração. Eu vi o livro assinado, sim, ela tinha se casado e nós perdemos a ocasião. 
Quase choramos de frustração, mas Chapolin não desistiu: vamos procurar o lugar da festa! Ninguém na igreja fazia ideia onde poderia ser, mas procuramos mesmo assim. Procuramos até não saber mais pra onde ir e já que não havia mais nada a ser feito, pedimos a gentileza de que Chapolin nos deixasse na estação do Trensurb para que fossemos até POA. 
Fim da história? Não! Só o começo de outra. Era noite, não tínhamos dinheiro e eu só poderia encontrar meu cunhado no outro dia, no começo da tarde. Já estávamos com fome e frio. Contamos nossos milréis. Pensamos "bom, dá pra gente pegar um táxi e ir a um hotel baratinho". Eu estava com um cartão da minha mãe que tinha uns trocos, mas só poderia sacar no outro dia (se existia caixa 24 horas, eu desconhecia). Então pegamos o táxi em frente à rodoviária e pedimos pra nos levar em algum hotel barato, após ele tentar nos deixar em todos os "puteiros" da cidade (que eram os mais baratos) resolvemos voltar pra rodoviária. Ou seja, saímos de táxi e gastamos os milréis e voltamos pra rodoviária. 
Cachorro correndo atrás do rabo? Não, duas tontas saídas do interior sem dinheiro, juízo ou noção. Bom, por fim atravessamos a rua da rodoviária, minha amiga apresentou uma carteira de jornalista (ela trabalhava numa rádio) e ganhamos um desconto. Fomos para o quarto, ligamos o ar condicionado no quente, pois estávamos congelando e contamos o restinho do dinheiro (acho que em valores contemporâneos deveria dar uns 10 ou 15 reais). Fomos de novo à rodoviária, pesquisamos os preços pra comprar um sanduíche (antes que morrêssemos de inanição). Voltamos pro hotel e dormimos como pedra. No outro dia, o cabelo mais oleoso do que tudo, fomos ao nosso shopping (a rodoviária) comprar um shampoo, a essa altura deveríamos ter algo como uns 4 reais. Minha amiga esqueceu que os melhores (e mais caros) perfumes estão nos menores frascos e pediu ao vendedor da farmácia um shampoo pequeno, pois só precisaria para um dia. Claro que não podíamos pagar pelo shampoo que ele queria vender. Então ela viu um vidro enorme, azul - Opus Shampoo. Perguntou o preço. Dava. E ainda sobrou troco. Levamos o Opus Shampoo e morremos de rir da cara do vendedor que não entendeu nada, ou fez que não entendeu. 
Enfim, pegamos o ônibus, fomos pra serra, encontramos meu cunhado e minha irmã. Combinamos que nunca, jamais, nem sob tortura contaríamos o que aconteceu de verdade. No trajeto para casa as perguntas: "E o casamento?" "Tava bonito". "E a noiva?" "Tava de branco.". "E a festa?" "Tava legal". Em casa, por uma semana, repetimos as mesmas respostas às mesmas perguntas. Tudo ia muito bem no reino da mentira até que o Chapolin contou pra nossa amiga casadoira que tentou nos ajudar, que percorremos a cidade toda e blá, blá, blá. Ela foi visitar a mãe dela e aproveitou para se "desculpar" por ter ido casar e não ter esperado as duas lesas atrasadas, que achou que nós não iríamos mais. Então ela entrou e na frente da minha mãe, irmãos, cachorro e tudo mais que foi aparecendo e falou indignada: "mas báh, guria! Eu soube que tu foi no meu casamento e não conseguiu achar!".

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