19/11/2014

Entre o fim e o começo

Acordei por volta de 6 da manhã (na verdade deveriam faltar uns 15 minutos para isso). Não foi o despertador que tocou, foi o dia que chamou. Abri os olhos e a falta da lente não me permitiu identificar muito bem o ponto brilhante no céu. Apertei bem... uma, duas, três vezes. Como durmo com a janela aberta (é apartamento e ela tem grades) eu ainda estava deitada quando vi a lua brilhando pelos últimos momentos nessa noite que já começava a se tornar dia. Fiquei observando a mudança gradativa na coloração do céu e o brilho do sol avançando lentamente. 
Faça-se a luz - e a luz foi feita. Fiquei pensando: o que ocorreu no intervalo entre a escuridão e a luminosidade? Esse intervalo, ainda que ínfimo, existiu e nele algo ocorreu. Costumamos pensar nas situações do início ao fim delas próprias, sem considerar muito os entremeios-  e são eles fundamentais. 
Vejamos... O que acontece entre o fim de um relacionamento e o início de outro ou da decisão de seguir sozinho? Entre o fim da vida de uma pessoa querida e aquele momento em que precisamos ficar em pé e seguir firmes? Entre sair do ventre materno e respirar? Entre o fim de um ano e o começo do outro? O fim de semana e o começo da próxima? O fim da infância e o começo da adolescência? Da adolescência a vida adulta?, aliás, você se lembra quando se tornou adulto? - provavelmente não, porque não existem marcos físicos, são passagens simbólicas; por vezes prolongadas, lentas... outras vezes ocorrem em um abrir e fechar de olhos, mas sempre acontecem.
Nada é estanque, tudo está relacionado. Sim, eu também gostaria de poder dormir naquele momento em que a saudade bate, em que a dor dói, em que a tristeza chega... queria poder dormir e simplesmente acordar em outro momento, mais sereno, mais feliz, mais tranquilo. Entretanto, a passagem é necessária. Há um rio caudaloso no meio dos acontecimentos e não dá para se jogar nele se você quiser continuar vivendo. Existem pontes para as travessias, às vezes escondidas por um nevoeiro, mas estão lá. Um dia o nevoeiro se dissipa e, se você não desistir de procurar, as encontrará. 
Pessoas são ponte, a arte é ponte, autoconhecimento é ponte. Entretanto apenas vê a ponte quem aperta os olhos para tentar um vislumbre do outro lado. Aquele que só olha para trás perde a visibilidade da cena. Fica atado ao que já foi, confuso por não saber mais o que é, perdido por temer o que virá. 
Há sempre algo acontecendo nos mais singelos momentos. Ainda quando você dorme a vida não pára, e "o diretor segue seu destino de cortar as cenas", como cantou Ana Carolina. 
Então... já que nesse longa metragem algumas cenas serão cortadas mesmo, é bom cuidar para não deixar marcas bruscas na montagem e produzir quebra no eixo. É bem provável que o enredo não siga aquele caminho inicialmente pensado, mas existem soluções de continuidade - e o resultado chega a surpreender! 
É claro que ter consciência disso não nos deve impedir de viver à procura do “frame” perfeito, mas seria interessante começar a se perguntar o que é exatamente a perfeição. A obsessão por ser feliz também pode levar à infelicidade. Não há como viver só em bons momentos, mesmo em uma comédia há cenas mais sérias, por vezes quase dramáticas. Não há pureza nos gêneros. Não há pureza na vida. Lembremos de Pessoa: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Sigamos sem medo, "o acaso vai nos proteger".

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