03/10/2014

Dia das crianças

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Clima de dia das crianças no ar e a gente embarca nessa história de voltar no tempo e caçar memórias quase perdidas. 
Olhando para essa garotinha loira do cabelo bagunçado e toda suja de terra, em cima do "trambolho" eu vejo o quanto ainda me pareço com ela. Não sou a pessoa que mais valoriza aparência no mundo, sou um tanto descuidada com essa tal coisa de moda e é provável que você já tenha me encontrado por aí com um belo par de havaianas, camiseta, shorts e cabelo amarrado sem sequer um batom na cara. 
Cresci em meio a uma turma de 8 irmãos mais velhos e com uma irmãzinha mais nova a quem eu achava que deveria cuidar. E como se não bastassem meus irmãos todos, ainda tive um amigo imaginário chamado Paulício. 
Brincávamos e brigávamos de todas as formas possíveis e imagináveis. Subíamos em árvores, puxávamos carrinho, jogávamos bola, brincávamos de boneca.
Eu me lembro de ser a Zizi, em apuros porque o Gato Gatuno, interpretado pelo Jorge, sempre queria me importunar, mas o Super Mouse, que era a Eloísa, sempre vinha para me salvar. Também me lembro de ter sido convencida não sei por quem e nem por que a subir o mais alto que eu pudesse em uma árvore - e de ficar chorando lá em cima porque tinha medo e não conseguia descer...
Fui proprietária de fazendas. Inúmeras fazendas. Primeiro localizávamos os gravetos para fazer a cerca, depois os quebrávamos cuidadosamente para ficarem do mesmo tamanho. Em seguida eles eram transportados na caçamba de um caminhão e, quando chegavam ao destino, eram firmados na terra com a ajuda de uma pedra. Se a terra estivesse muito seca, inventávamos um caminhão pipa e o problema estava resolvido. Feita a cerca, plantávamos qualquer coisa pra fazenda ficar verde e bonita. Depois a destruíamos, para ter o que fazer novamente no outro dia.
Tomávamos banho de chuva e soltávamos barquinhos de papel na correnteza. E corríamos ao lado deles até vê-los desmanchando na água. 
Construíamos casa para gatos - na verdade mansões para gatos. Com muitas caixas - casas de vários pisos, com escadarias. E não entendíamos porque os gatos resistiam tanto em morar nelas.
Fazíamos casas para Barbies ou Susies, ou qualquer boneca - afinal o legal era só montar a casinha, a imensa casinha. Terminada a montagem, não entendíamos porque, acabava a graça.
Em dias de chuva éramos modelistas. Criávamos muitos modelos de roupas para nossas bonecas de papel. Passávamos a tarde desenhando, pintando e recortando roupas. Quando cansávamos das bonecas de papel, pegávamos agulha, linha e um belo saco de retalhos que buscávamos na costureira e fazíamos para "bonecas de verdade".
Ou então eu copiava receitas no caderno de receita, acho que peguei gosto pela cozinha assim - mais tarde comecei a testá-las incluindo pedidos de ingredientes na lista de compras que a mamãe fazia. 
Fui professora antes de ser professora. Uma lousa de brincadeira, cadeirinhas arrumadas em fila, caixinha de giz que eu pegava da mamãe. Preparava aulinhas, fazia atividades, provas, caderno de chamada. 
Fui Xuxa com dois rabinhos do lado da cabeça. Brincávamos de fazer o show, sabíamos todas as músicas de cor, reinventamos as Paquitas, o Praga, o Dengue. 
Ficávamos hipnotizadas olhando o cirquinho que vinha junto com os discos de vinil da Turma do Balão Mágico - naquele tempo olhar algo colocado em cima de um disco que girava dava uma super ilusão de movimento e a gente viajava olhando a mesma imagem rodando infinitamente.
Tomávamos suco de vinho. Refrigerante de gengibre. Guaraná de garrafa misturado com chá. Ki-suco (e a língua ficava colorida uns três dias).
Fazíamos bolhas de sabão; peteca com sabugo de milho e penas de galinha; bate-bate com embalagem de Q-boa e sacos plásticos de leite. Parecíamos tatus cavando buracos na areia ou minhocas fazendo túneis.
Brincávamos de caça ao tesouro. Balançávamos-nos na rede quase até sair voando. Brincávamos de "se esconder" até altas horas da noite. Pulávamos elástico. Morríamos de medo do fantasma do "HZ". 
Fazíamos comida de verdade em lata velha e enferrujada em um fogão de tijolo movido a qualquer coisa seca que queimasse - tivemos sorte em não morrer com o fogo ou com alguma bactéria. 
Queimávamos bombril - rodando, rodando, rodando - era melhor que ver fogos de artifício!
Comíamos guabijú, amora (cê gosta de amora? vou contar pro teu pai que tu namora!), pitanga, ariticum e quebrávamos caroço de butiá - provavelmente comíamos mais tijolo que a minúscula amêndoa, mas quem se importava?
Queimei meu joelho ao erguer com um galho os pedaços de plástico queimado para vê-los caindo enquanto derretiam. Cortei minha perna com uma faca que ficou pra fora da sacola em um dos acampamentos que fizemos. Quebrei o nariz tomando banho de piscina de plástico na casa da vizinha. Quebrei meu braço correndo e quicando bola. 
Com medo de me despedir da infância, aos 14 anos aprendi a costurar na máquina preta de pedal, uma Singer. Afinal, costurar roupas para bonecas não era exatamente brincar de boneca - ou era?
Então veio o magistério e, com ele, o primeiro estágio na creche Chapeuzinho Vermelho - e achei que não pegaria bem se a professora brincasse com as mesmas coisas que os alunos brincavam. Então larguei as bonecas - um pouquinho tarde para os outros, mas não para mim. 
Aos poucos os gostos foram mudando e a Xuxa e o Balão Mágico ficaram para trás. De repente outras vozes passaram a dar sentido aos dias - Engenheiros, Nenhum de Nós, Rosa Tattooada, Legião Urbana. De repente outros gostos, outros amigos, outros sonhos. 
De repente a garotinha dos cabelos loiros não era mais loira, nem andava mais de "trambolho". De repente ela foi obrigada a crescer, mas não muito porque afinal de contas é sempre bom poder andar de cabelo despenteado com cara de quem tá nem aí... ou nem aqui....

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