10/08/2009

PERDENDO-SE NO LABIRINTO



Ele chegou lentamente à vida dela, tão lentamente que nenhum dos dois percebeu. Não pediu, não ofereceu, não fez promessas. Nem ao menos imaginava querê-la, ela que não era em nada parecida com tudo o que ele havia buscado por toda a vida que vivera até ali. Não era jovem, nem bonita e, ainda assim, ele via motivos para estar com ela, e eram muitos os momentos de encontro e tantos os motivos para se falar que todo o tempo parecia pouco. Ela lembrava um pouco Sherazade em “As mil e uma noites”, seduzindo o sultão com suas histórias que nunca findavam.
Nunca se ouviu falar que Sherazade superasse as outras mulheres em beleza, mas sempre se soube que sua astúcia a fez sobreviver e conquistar o coração frio do sultão. Ele se parecia também com o sultão, não havia matado de fato suas outras mulheres, mas tinha evitado muitos amores pelo imenso medo de arriscar e pelo grande compromisso de atender aqueles que dele dependiam. Não era feliz e vingava-se da vida tendo muitos amores fortuitos e deixando todos sem olhar para trás. Isso lhe dava uma sensação de poder e domínio, a ilusão de dar as cartas do jogo, ditar as regras e interromper as jogadas quando quisesse, cansasse ou fosse preciso.
Por que ele não conseguiu dar as cartas com ela? Simplesmente porque não sabia que estava jogando, não foi intencional, nem percebido. Ele dava as cartas em outros jogos, quando se viu sem saída. Não entendia porque, embora tivesse tantos motivos para sair, insistia em ficar. Quando quis fugir, já era tarde, tão tarde que ele nem tentou.
Aproximaram-se tentando repelir-se. Ela olhava para ele e o ouvia falar e, sem muita certeza dos motivos que tinha, sentia que deveria contrariá-lo sempre. Achava que ele não deveria invadir assim, sem mais nem menos, seu território, seu lugar, seus amigos. Por isso, arrumava argumentos e contra-argumentos para provar qualquer coisa ao contrário do que ele dizia. Nessa disputa de egos, histórias e discussões emendavam-se eternamente, sempre havia mais e mais a falar, a discutir, a argumentar. Por muitas vezes ela reconhecia que ele estava certo, mas não queria deixá-lo saber disso e achava formas de dizer o avesso parecer lógico e razoável. Ele ficava confuso, achava que as mulheres não deveriam ter tantos argumentos assim e não sabia como agir quando ela lhe colocava numa sinuca de bico. O inverso era absolutamente verdadeiro, ele também provocava, retrucava para ver até onde ela ia, mesmo sabendo que, outras tantas vezes, era ela quem estava certa.
Havia dias que as discussões cediam espaço a intermináveis viagens ao túnel do tempo em que ambos procuravam mostrar o quanto tinham sido felizes em suas vidas. Achavam que enganavam a alguém, além de si mesmos. E porque um foi vendo no outro as fraquezas escondidas nas histórias gloriosas, eles se sentiram mais próximos, afinal, viram-se humanos. Descobriram que podiam falar bobagens sem sentirem-se tolos por isso, que podiam se embriagar sem remorsos ou acusações, que erros acontecem quando se está vivo...
Foi numa quinta-feira que se deu o começo e num domingo que tudo tomou forma, mesmo sem que eles soubessem naquele momento. Quando os olhos se encontraram e não conseguiram se desviar, esqueceram do mundo que os observava e sentenciava-os a não se quererem. Foi inútil fingir que não aconteceu, foi indiferente ele ter saído em seguida, pois seus olhos já não lhe pertenciam, sua mente não o obedecia, sua vida estava marcada.
Quando ele foi embora naquele dia, o corpo dela encontrou friamente outro corpo, enquanto a mente viajava em busca daquele olhar, daquele sorriso, daquela voz. Ela não sabia também que aquele momento era definitivo, nada mais seria igual. Pela primeira vez em muito tempo, ela queria ser a mesma que um dia tinha sido. Queria voltar a sorrir, cantar, desejar, sonhar. Queria reencontrar ideais abandonados pelo caminho, tirar o peso das costas, tentar a felicidade.
Não foi passageiro, nem fugaz, como alguns imaginaram. Nem foi tão fácil como poderia ter sido. Nem um, nem outro sabiam amar-se, muito menos aceitavam isso. E como não assumiam para si próprios o sentimento, não podiam assumir um para o outro. Assim, passou-se muito tempo até que num rompante de loucura, beijaram-se e fizeram a Terra parar de girar por um instante. Não acreditavam no que tinha acontecido, não entendiam porque tinham feito aquilo e se viram presos numa armadilha. Foi a passagem para o labirinto.